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 As Bem-Aventuranças do Evangelho – I

Enviado em 11 de junho de 2015 | Publicado por feditora

 

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Por Mário Frigéri  

“Se toda a literatura espiritual da humanidade perecesse,

e só se salvasse o Sermão da Montanha, nada estaria perdido.”

Mahatma Gandhi

Já tive a satisfação de estudar as Bem-Aventuranças de Jesus comentadas por estudiosos sérios do Brasil e do mundo, e fico sempre agradecido, porque aprendi muito com suas reflexões. Depois de meditar maduramente o assunto, resolvi também depositar minha humilde oferenda aos pés desse poderoso Código Ético da Humanidade, que deu início a uma nova ordem mundial na Terra. Se até o ponderado Mahatma Gandhi – um não cristão – sentiu tão radical admiração pelo Sermão da Montanha (tal como vemos na epígrafe), como deveria sentir-se um empoeirado andarilho do Evangelho como eu? Acrescento, assim, minhas fagulhas ao relampejar dos mestres, pois não quero omitir-me num assunto que é como um favo de mel para o meu coração. E embora contribua com tão pouco, estou gratificado por oferecer o que há de melhor em mim.

As Bem-Aventuranças estão em Mateus, 5:1/12. O texto transcrito, com exceção das ressalvas, é da “Bíblia Sagrada com reflexões de Lutero”, Almeida Revista e Atualizada, Sociedade Bíblica do Brasil, 2ª impressão, 2012. O termo “Céu/Céus” só é escrito com maiúscula quando contrasta com Terra. E os grifos são meus.

Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los, dizendo:

Jesus, como fundador deste planeta, seu supremo governante e redentor da humanidade, sendo aquele que sonda mentes e corações (Ap. 2:23), sabia muito bem o caminho a ser seguido pelo ser humano para tornar-se bem-aventurado. Na condição única de um com o Pai, ele era o próprio tema que ia dissertar – o manifesto mais revolucionário da história, plataforma régia da pregação que ministrou ao povo nos três anos e meio de sua atividade messiânica. As Bem-Aventuranças são um Código para esculpir o cidadão do Céu no cidadão da Terra. Foi o início de um Reino de que o homem nunca tivera conhecimento no mundo, e que, uma vez iniciado, nunca mais teria fim. (Dan. 2:44.) Jesus, por isso, escolheu o melhor local para a sua mensagem – o magnífico templo da natureza –, representado ali pelas encostas verdejantes, a brisa perfumada e o céu azul derramando sua luz diáfana sobre aqueles sítios silenciosos.

Aquele que nos ama (Ap. 1:5) ensinava pela palavra e pelo exemplo. E podem ser percebidos vários estágios discretamente ritualizados por ele na exposição do Sermão da Montanha, que estava prestes a proclamar, antes de fazer jorrar de seu coração a água da Vida. Primeiro, viu as multidões e compadeceu-se delas, porque eram como ovelhas aflitas que não têm pastor. Segundo, ao vê-las, subiu ao monte, porque, como pão que desceu do céu, sua palavra haveria de alimentar aquelas almas famintas e soerguê-las ao monte sublime da Espiritualidade superior.

Terceiro, assentou-se, e o fez para expressar singeleza e humildade, a fim de estar o mais próximo possível do coração daqueles pobres camponeses e pescadores, constituídos por homens, mulheres e crianças carentes de tudo nesta vida. Se ficasse em pé, assumiria a postura grave de um doutor da lei – que os judeus conheciam muito bem –, a dogmatizar do alto dos púlpitos. Mas, assentado, nivelava-se com todos, como se estivesse no interior de suas choupanas, num diálogo fraterno de amigo para amigo, e num colóquio amigo de irmão para irmão.

Quarto, os seus discípulos se aproximaram e assentaram-se também, formando um círculo em seu derredor, como era costume no Oriente, para receber em primeira mão os seus ensinamentos. Havia entre eles a expectativa de que algo importante estava para acontecer, pois esperavam a fundação do reino dos céus a qualquer momento. E, quinto, só então, após deixar os discípulos e a multidão de almas totalmente expostas à luz da Verdade, é que, “abrindo a sua boca” – tal como acrescentam outras traduções –, passou a doutriná-los com ternura e serena majestade.

Muitas vezes, nos milênios anteriores, o Cristo falara ao mundo somente pela boca dos profetas. Mas agora chegara o momento de “abrir a sua boca” e – com palavras utilizadas por todos, mas jamais alinhadas com tamanho esplendor – destilar pessoalmente a mais sagrada Doutrina a que este mundo já tivera acesso. É que se estava iniciando um novo ciclo planetário, em que a busca da perfeição física, instituída em outros tempos por gregos e romanos, seria substituída, a partir daquele marco histórico, pela busca da perfeição moral, estabelecida por Cristo-Jesus.

E naquela ocasião não lhes falou por parábolas, mas por mandamentos diretos que, como flechas de luz, penetravam os corações, permitindo-lhes compreendê-los e assimilá-los com facilidade. A meta era torná-los perfeitos como perfeito é o Pai que está nos céus. E mesmo que o homem avançasse aos tropeções por essa via de iniciação cristã, isto não significava que ela não era o caminho do céu, mas que ele estava tropeçando em suas próprias imperfeições. O segredo de Jesus, nas Bem-Aventuranças, é que o homem busque a perfeição através da imperfeição, sem pressa, mas sem detença, por todos os dias de seus inúmeros renascimentos.

Carta sublime

As Bem-Aventuranças são uma peça de peregrina sabedoria e beleza. Elas contêm, num jogo sublime de ação e reação, as proposições e os estímulos correspondentes, interagindo em prol da evolução consciente, em contínuo refrigério e permanente fortalecimento das almas que as vivenciarem. Representam a própria palavra de Deus funcionando através de suas Leis, reveladas pelo Cristo. Segundo palavras do Ministro Flácus, como este planeta ainda é um orbe inferior, nós, os homens que o habitamos, “[…] confrontados com a excelsitude dos Espíritos Superiores, que dominam na sabedoria e na santidade, não passamos, por enquanto, de bactérias, controladas pelo impulso da fome e pelo magnetismo do amor. Entretanto, guindados a singelas culminâncias da inteligência, somos micróbios que sonham com o crescimento próprio para a eternidade”.2

Eis por que os seres humanos, em seu estágio atual de involuídos, não têm acesso direto à Divindade, mas à Lei, que está à sua disposição para que possam crescer e aparecer através de sua prática. A Lei de Deus é composta de Amor e Justiça, e cada um recebe dela mais Amor ou mais Justiça de acordo com seus merecimentos e necessidades. E assim, um dia, num futuro ainda distante, quando saírem do reino animal-hominal e entrarem no reino hominal-angelical, os homens poderão tornar-se, certamente, colunas no templo celestial, assentar-se com o Cristo no seu trono e compartilhar de seu poder, conforme promessa de Jesus no Apocalipse. (Ap. 3:12;21.)

Como o homem, em seu estágio atual de recém-saído da animalidade, ainda é espiritualmente uma criança malcriada, assim é tratado pela disciplina mecânica da Lei a que está submetido (ao mesmo tempo severa e flexível), recebendo um incentivo a cada boa ação que pratica. Se tornar-se humilde, entrará no reino dos céus; se chorar, será consolado; se for manso, herdará a terra; se buscar a Justiça divina, será farto; se for misericordioso, alcançará misericórdia; se tornar-se limpo de coração, verá o Pai; se for pacificador, será considerado filho de Deus; e se for perseguido por causa da Justiça e da Verdade, será seu o reino dos céus – virtudes que, nos mundos superiores, já são conquistas consolidadas na alma de seus habitantes. Caso o homem da Terra não se esforce na conquista dessas virtudes – e o pode fazer, no emprego inviolável de seu livre-arbítrio –, será tratado de forma contrária, e seu futuro, quando em breve a Terra for elevada a um patamar superior, será o banimento para planetas inferiores, de normas ainda mais rígidas, onde receberá novas oportunidades de redenção.

O homem, que se considera tão grande neste mundo, se esquece de que foi classificado de inconsciente pelo Cristo, em seus derradeiros momentos na cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. (Lc. 23:34.) Somente a consciência de sono pode levar o homem a cometer um crime sem saber que o está cometendo, o que o transforma em animal humanizado ou humano animalizado. E é esse estágio letárgico de consciência que o situa em um nível ainda muito inferior na escala da evolução, do qual, se tiver juízo, deve esforçar-se para sair o mais breve possível.

E agora, pensemos nisto: todos se voltavam para Jesus quando Jesus falava. Voltemo-nos também para Ele neste momento, a fim de acompanharmos, com proveito espiritual, o cântico de suas (e nossas) Bem-Aventuranças. Elas representam a escada de Jacó, que liga a Terra ao Céu, desde o tempo dos patriarcas aos milênios do porvir. Com a contrição e a reverência de que deve estar replena a nossa alma, subamos, degrau a degrau, essa escada, a começar pelo primeiro lance – o lance da humildade –, sem o qual não teremos acesso aos demais que o sucedem nessa abençoada ascensão.

Referências:

1ROHDEN, Huberto. Mahatma Gandhi, 10ª ed., Alvorada, 1988, p. 51.

2LUIZ, André. Libertação, 7ª ed., Rio de Janeiro; FEB, 1978, p. 16.

Artigo transcrito do Reformador, mensário da FEB, de junho de 2015.

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