Mário Frigéri
“Temos registrado em nós o futuro até aquele ponto em que o vivemos,
quando fomos transferidos para a Terra, provenientes de mundos superiores.”
A consciência é fácil de ser imaginada, mas difícil de ser definida. Podemos dizer, de forma leiga e descomplicada, que consciência é o núcleo essencial e pensante do Espírito imortal criado por Deus, a quintessência do ser psíquico, onde está insculpida a Lei divina, como revelaram as Entidades superiores a Allan Kardec. É o Eu superior infuso na individualidade, em torno do qual orbitam sucessivamente, através das reencarnações, todos os “eus” menores representados pelas várias personalidades, e que vão sendo abandonados ao longo do caminho, assim como a ovelha, por onde passa, deixa tufos de lã enredados nos espinhais na charneca.
Carl Gustav Jung, fundador da psicologia analítica, sonhou, em 1909, que se encontrava em uma casa estranha, mas que, de certa forma, lhe pertencia. Ela estava dividida em três andares: no andar superior havia móveis modernos, no andar térreo, mobília medieval, e o porão estava cheio de antiguidades românicas. Havia também uma escada estreita de pedras que conduzia a uma caverna pré-histórica, que ele se viu tentado a explorar. Ao acordar, interpretou o próprio sonho: havia no inconsciente humano outros níveis mais primitivos, que ele devia explorar.1
Graças aos apontamentos de André Luiz, podemos desfrutar também das reflexões do Instrutor espiritual Calderaro acerca dos vários níveis de consciência. A imagem de que ele se utiliza é a mesma de Jung, mas começa agora pelo primeiro andar.
Diz ele que nosso cérebro (mente ou consciência) é como um castelo e se divide em três regiões distintas ou andares: “no primeiro situamos a ‘residência de nossos impulsos automáticos’, simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados; no segundo localizamos o ‘domicílio das conquistas atuais’, onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando; no terceiro, temos a ‘casa das noções superiores’, indicando as eminências que nos cumpre atingir. Num deles moram o hábito e o automatismo; no outro residem o esforço e a vontade; e no último demoram o ideal e a meta superior a ser alcançada”. E conclui: “Distribuímos, deste modo, nos três andares, o subconsciente, o consciente e o superconsciente. Como vemos, possuímos, em nós mesmos, o passado, o presente e o futuro”.2
Para o eminente psicólogo russo Peter D. Ouspensky, discípulo de Georges I. Gurdjieff, existem dois grupos de seres humanos: o fisiológico e o psicológico. Os indivíduos fisiológicos (do queixo para baixo) são aqueles que voltam sua percepção consciente apenas para a satisfação de suas necessidades básicas, ligadas às sensações e satisfação dos desejos corporais, como comer, dormir e copular.
Já os indivíduos psicológicos (do queixo para cima) são aqueles que – além de comer, dormir e copular – estendem seus interesses a um nível mais alto, ao campo das emoções e dos sentimentos. Globalmente, esses indivíduos dos dois grupos são classificados em quatro níveis de consciência:
Cerca de 80% dos seres humanos compõem o primeiro nível, e uma quantidade infinitesimal compõe o último.3
O uso do livre-arbítrio
Voltando a Calderaro, aprendemos que possuímos em nós o subconsciente, o consciente e o superconsciente, ou, por outras palavras, o passado, o presente e o futuro. Tudo o que vivemos, em todos os tempos, no campo do bem e do mal, é registrado automática e indelevelmente em nossos arquivos psíquicos, tornando-se asas que nos libertam ou grilhetas que nos prendem durante a nossa marcha evolutiva. Temos em nós o passado, porque já o vivemos. Temos em nós o presente, porque o estamos vivendo. Mas como podemos ter em nós o futuro, se ainda não o vivemos? Ainda não o vivemos? Engano. Já o vivemos sim. Temos registrado em nós o futuro até aquele ponto em que o vivemos, quando fomos transferidos para a Terra, provenientes de mundos superiores.
Diz o conspícuo Codificador do Espiritismo, reproduzindo o ensino das Entidades superiores, que há transfusões periódicas, de imensas colônias de Espíritos, de mundos superiores para mundos inferiores. Ao chegarem aqueles mundos a um de seus períodos de transformação, quando devem ascender na hierarquia do Cosmos, a parcela física e espiritual da população que os habita e que, apesar de sua inteligência e de seu valor, se aferra às diretrizes do mal, é degredada para planetas inferiores, a fim de não perturbar a tranquilidade e a felicidade dos bons que irão permanecer naquelas radiantes esferas. A raça adâmica foi composta por uma (ou várias) dessas colônias. Esses Espíritos, ao encarnar em nosso mundo, demonstrando o poderoso diferencial evolutivo de que eram portadores em relação ao novo meio, já na segunda geração “constroem cidades, cultivam a terra, trabalham os metais”, trazendo imenso progresso aos povos primitivos entre os quais vieram habitar.4
Para entendermos melhor essa transmigração compulsória e reeducativa de almas de um planeta para outro, precisamos recuar um pouco no tempo e relancearmos nosso olhar sobre a origem do Espírito.
Ensina Emmanuel que o Espírito, em sua evolução universal, quando chega àquele estágio em que começa a transitar do instinto para a razão, adquire o precioso dom do livre-arbítrio e inicia sua trajetória como ser raciocinante, podendo escolher entre seguir a estrada do bem ou a do mal. Os que escolherem a do mal, são colhidos pelas malhas do orgulho, da vaidade, da ambição ou do egoísmo, iniciando-se em experiências penosas nos vários departamentos corretivos da casa do Pai. Esse reciclamento espiritual pode ocorrer em vários estágios da marcha evolutiva, não somente na Terra, porque há vários níveis de correção assim como há vários níveis de mundos no que tange a seu grau de evolução.5
Kardec, por sua vez, estabelece o primado espiritual da livre-escolha: os que são maus assim se tornam por sua exclusiva vontade. O livre-arbítrio mais se fortalece quanto mais o Espírito adquire consciência de si mesmo, e aqui está a chave para se entender essa perigosa bifurcação da vontade a que está sujeito o ser consciente: uns cederam à tentação por livre escolha, enquanto que outros resistiram. Os que resistiram, por conseguinte, não necessitam de qualquer tipo de correção.6
O futuro infuso em nós
Voltemos agora à tese do futuro infuso em nós, que interrompemos para falar da trasladação das colônias de Espíritos (visto que ambos estão intimamente conectados). Dando sequência ao raciocínio lógico de Kardec e incluindo-nos, infelizmente, nessa imensa falange de Espíritos transferidos para a Terra, suponhamos, por analogia, que o mundo superior em que vivíamos estivesse no ano 5015 d.C. quando ocorreu a nossa transferência, em dois níveis: do mundo superior para o inferior e do futuro para o passado. Já que estamos, aqui na Terra, no ano 2015 d.C. (data em que é redigido este texto), temos um filme com 3000 anos de história futura infuso em nós e rebobinado em nosso superconsciente, período que vivemos lá e que será reprisado aqui. É urgente desenrolarmos esse filme e nos conscientizarmos de seu conteúdo, pois, como aprendemos em nossa Doutrina, só voltaremos realmente a adquirir conhecimentos novos quando reatingirmos aquele ponto em que nos encontrávamos, quando fomos exilados. Até lá, apenas recordaremos e revelaremos o que já existe em nós, e que é fruto de nosso próprio esforço, concretizando-o no mundo exterior.
Devido ao acesso, por intuição, a esses registros futuros que se encontram introjetados em nossa alma, podemos estabelecer relações entre o que ocorreu lá e o que deverá ocorrer aqui, porque a história se repete com pequenas variações em todos os mundos que se encontram dentro dessa mesma faixa de evolução, que abrange alguns milhares de anos. O futurível – ou futuro próximo e possível – deste planeta está escrito em caracteres indeléveis nos penetrais de nossa alma (superconsciente), que Deus, através dos profetas, exteriorizou nas profecias. E nós, os seres humanos, vislumbramos isso porque já vivemos esses fatos, no futuro, em outros mundos.
Se conseguirmos acessar o nosso superconsciente ou decodificar as profecias, ficaremos hipoteticamente senhores de 3000 anos de história que ainda está por acontecer, levando-nos esse conhecimento forçosamente de volta para o futuro. Só 3000 anos neste exemplo que estamos dando, mas, dependendo da gravidade da falta, o Espírito pode ser mergulhado no túnel do tempo pela Providência divina e projetado no pretérito por verdadeiras “eternidades”, ainda inimagináveis para nós. O acesso a esse arquivo pode ser uma impossibilidade fatal para os que se encontram em consciência de sono, mas não para os que se encontram em processo de aquisição da consciência de luz, porque, para estes, premonições e reminiscências do futuro são fenômenos naturais em sua mente.
Jung falou em inconsciente coletivo, que seria o subterrâneo profundo da psique humana, traduzido em um conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças compartilhados por toda a humanidade. É uma herança coletiva, segundo ele, recebida não somente dos antepassados do homem, mas também dos animais. As massas não se lembram das imagens, ou arquétipos, de forma consciente, mas herdam uma predisposição para reagir ao mundo da mesma forma como seus ancestrais faziam.
Imaginemos, agora, não esse inconsciente junguiano pretérito e aparentemente restrito às experiências terrenas, mas – e aqui queremos cunhar a expressão – um inconsciente coletivo futuro, vivenciado em orbes superiores, armazenado nos estratos profundos do ser, e que as massas degredadas para a Terra (tal como visto em Kardec) trouxeram embutido em si, contendo os eventos apocalípticos ocorridos naquele plano quando de sua expulsão de lá. Quando, em breve, esses fatos começarem a se repetir por aqui, em cumprimento às previsões de Jesus em seu sermão profético sobre o final dos tempos, a humanidade, com sua percepção espiritual agora aguçada pela angustiosa expectativa desses acontecimentos já conhecidos e sofridos, os perceberá de pronto, e o mundo, alucinado pelos flashes dessas recordações aturdentes, irá misturar-se como as vagas do oceano.
Se Freud e Jung tivessem assestado seus poderosos holofotes nessa direção, ter-nos-iam certamente apresentado pérolas indescritíveis desse nosso oceano íntimo e superior ainda inexplorado. É da Lei, porém, que cada coisa só deva aparecer no tempo em que possa ter legítimo proveito.
Despertar e iluminar-se
Embora o assunto seja fascinante e comporte mais profundas inquirições, devemos, muito a contragosto, mudar agora de direção. Não só o futuro próximo está registrado em nós. O pretérito ilimitado e profundo também está. Jung, como vimos, emprega uma imagem onírica muito preocupante: fala-nos de uma estreita escada de pedras que, do porão de nosso subconsciente, desce para uma caverna pré-histórica e desconhecida que ele se viu tentado a explorar. Não há como não sentir um calafrio na alma quando pensamos no que poderá haver nesses abismos insondáveis que enegrecem ainda mais o lado sombra de nossa individualidade, nascidos de uma ancestralidade estratificada em nós e vivida nos reinos primários da natureza, cuja extensão e abissal profundeza estamos longe de imaginar.
A respeito desses vários níveis de consciência, devemos enfatizar que todo ser humano tem, desde sua origem como Espírito, esse simbólico edifício de vários pavimentos dentro de si, e que o estado primitivo de sono da consciência é uma fase natural da caminhada evolutiva, visto que todo ser passa necessariamente por ele. Mas se ele é invencível no animal (que evolui pela impulsão natural das coisas), não o é no homem (o qual pode imprimir a velocidade que desejar a seu progresso). O homem deve superá-lo através de um esforço contínuo e titânico, até ver o sol da espiritualidade fulgurar em sua alma. Deve superá-lo o mais rápido possível e transitar do instinto à razão, da razão à intuição, e da intuição à unidade cósmica, escalando seu Tabor íntimo degrau a degrau, ou pavimento a pavimento, até atingir a iluminação da consciência.
Dos vários andares da casa, o homem, normalmente, em seu estágio atual, ocupa apenas os dois primeiros. Do primeiro nível de sono profundo, ele passa ao segundo, com lampejos de despertamento, ou sono desperto. Aqui ele ainda se encontra semiadormecido, mas pensa que está acordado. E para que desperte é preciso conscientizá-lo de que está dormindo; sem isso, ele não fará o esforço necessário para acordar. E os andares seguintes, de nível superior, são ocupados por uma porcentagem mínima da humanidade, mas que pode ser detectada pela obra que cada um de seus componentes realiza, visto que os frutos é que dão notícia da proficiência da árvore.
A maioria esmagadora do gênero humano ainda está dormindo o sono da inconsciência. Queda-se, em seu estupor de criatura sonolenta ou ensonada, à espera de que uma alma superior, anônima e caridosa, lhe dirija um aceno de mão, uma palavra amiga ou um livro iluminativo que a possa arrancar dessa insensibilidade existencial profunda, que ela desconhece e, se conhecesse, não conseguiria imaginar o fim. É preciso abrir sua mente, com sutileza e doçura, para essa verdade, pois se ela permanecer na ilusão de que está acordada, não promoverá as ações necessárias para elevar-se aos níveis superiores.
Mas, para que o homem se torne instrumento desse divino despertar alheio, é-lhe necessário, antes, implementar o seu próprio despertamento espiritual, como ensina São Paulo:
“Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos e o Cristo te iluminará.” (Efésios, 5:14.)
Referências:
1Seleções do Reader’s Digest, julho/1986, “Jung, o sábio de Zurique”, p. 97.
2LUIZ, André. No mundo maior, 7ª ed., Rio de Janeiro: FEB, 1977, p. 47.
3OUSPENSKY, Pedro D. Fragmentos de um ensinamento desconhecido, 13ª ed. São Paulo: Editora Pensamento, 1998, passim, e Internet.
4KARDEC, Allan. A gênese, 45ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004, cap. XI, itens 38 a 49.
5EMMANUEL/ Francisco C. Xavier. O consolador, 7ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1977, itens 248 e 249.
6KARDEC, Allan. O livro dos espíritos, 1ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006, itens 121 e 122. (Tradução de Evandro Noleto Bezerra.)
Artigo publicado em Reformador, mensário da FEB, em fevereiro de 2016. Todos os destaques do artigo são nossos.
Mário Frigéri é autor da Mundo Maior Editora. Contato: mariofrigeri@uol.com.br