Por Mário Frigéri
É costume entre os escritores do mundo inteiro estampar nos jornais um conto triste na véspera de Natal para sensibilizar o coração de seus leitores. Eu não tenho nenhum conto inédito e tocante para contar à meia dúzia de amigos que me leem por desfastio, por isso vou reescrever e condensar um de Hans Christian Andersen sobre uma menininha pobre que vendia fósforos, imprimindo-lhe meu colorido pessoal.
Fazia muito frito naquela noite escura e a neve estava caindo mansamente. Era véspera de Natal e as luzes festivas brilhavam através da vidraça das janelas. Uma garotinha pobre, vestida com uma roupinha limpa, mas remendada, e sem nenhuma proteção na cabeça, caminhava pelas vielas, oferecendo palitos de fósforo aos raros passantes que buscavam apressadamente seus lares. Seus pés descalços tocavam e absorviam a frieza do solo, porque ela havia perdido seus chinelinhos na neve ao fugir pouco antes de uma carruagem desgovernada.
Não havia vendido nada até aquele momento e ninguém, nem mesmo por caridade, lhe oferecera qualquer moedinha de alguns vinténs. Trêmula e faminta, continuou caminhando pela rua quase deserta, sentindo o cheiro delicioso da ceia de Natal que se evolava das casas. “Ah, é véspera de Natal…” lembrou-se, tão perdida estava em seus pensamentos, recordando-se dos familiares, que a aguardavam em casa, à espera de alguns trocados que lhes diminuíssem a miséria.
Cansada e um pouco desanimada, sentou-se num desvão da esquina, encostando-se à parede áspera de uma velha casa. Seus pezinhos estavam congelados e ela sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não havia conseguido nem um tostão e seu pai poderia surrá-la por isso. Além de tudo, sua casa também era tão fria quanto aquela rua.
Com as mãozinhas trêmulas ela pegou um palito de fósforo e pensou em riscá-lo para aquecer-se um pouco. Conseguiu esfregá-lo contra a parede, e a sua chama quente e colorida parecia uma vela! A garotinha inocente sentiu-se como se estivesse sentada diante de uma grande fogueira. Como era gostoso sentir o calor que aquela chama lhe transmitia! Logo que a luz se apagou, riscou outro, e mais outro, e mais outro…
Levantando-se um pouco até a vidraça e voltando o rostinho para dentro da casa, pôde ver no meio da sala uma mesa coberta com uma toalha alva como a neve, e sobre a toalha finíssimas porcelanas para o jantar. O ganso assado sobre a mesa, e recheado com ameixas e maçãs, enchia o ar com um cheiro delicioso e convidativo. Ela estava tão trespassada que teve a impressão de que o ganso, vendo-a tão triste e sozinha, saltara da travessa e viera correndo em sua direção… Nesse momento o fósforo se apagou e ela, caindo na realidade, se viu olhando novamente apenas para aquela parede fria na qual se encostara. Coitadinha! Parece que já estava delirando de fome e frio…
Acendeu outro fósforo e em sua luz maravilhosa imaginou-se sentada sob uma linda árvore de Natal. Centenas de lâmpadas piscavam em seus ramos verdejantes. A menininha estendeu os braços em direção a elas e seu fósforo se apagou. As luzes pareciam estar cada vez mais distantes. Então percebeu que já não eram mais as pequeninas lâmpadas da árvore que estava olhando, mas as estrelas do céu que tremeluziam no infinito, entre nuvens escuras, sobre a sua cabeça. Nesse momento viu uma estrela cadente cortar o céu e lembrou-se de sua avozinha, já falecida, que a amava tanto e que um dia lhe havia dito: “Quando uma estrelinha risca o céu é porque uma alma está subindo para Deus”.
Riscou então o último fósforo que trazia e viu dentro de sua luz a imagem da avozinha querida, tão linda, tão meiga, tão doce! “Vovó”, murmurou, já quase sem forças, “me leve com você! Eu sei que quando o fósforo se apagar a senhora vai desaparecer também”. A sua avozinha nunca lhe pareceu tão bela e graciosa! Vovó então pegou a menininha nos braços e foi voando para bem longe deste mundo, deixando atrás de si uma esteira evanescente de luz. Ela estava levando a garotinha para um lugar distante onde não havia frio, nem fome, nem medo, nem falta de amor… um lugar onde é a morada de Deus.
Na manhã seguinte os transeuntes encontraram uma menininha deitada na neve, com o rostinho encostado na parede, trazendo um sorriso doce na face – ela havia morrido de frio na véspera de Natal. E as pessoas, vendo tantos palitos de fósforo queimados em seu derredor, diziam umas para as outras: “Ela queria se aquecer, pobrezinha!”
O outro Natal
Imagino um outro final para esse conto, um final feliz. A avozinha diria à querida neta que batesse à porta daquela casa, pois seus moradores eram bondosos e certamente a acolheriam alegremente em seu lar, o que realmente aconteceu. E logo em seguida, todos iriam visitar a família da menininha para levar uma parte da ceia e confraternizar com ela pelo resto da noite. E assim tudo terminaria entre luzes e festas.
Seria ingênuo imaginar que no mundo inteiro, com pequenas variações, não aconteçam dramas como esse, mas isso é decorrente da frieza do coração humano e não do Natal de Jesus. Jesus era alegre e deixou uma mensagem de alegria para todos aqueles que desejassem alimentar-se de seu Evangelho e seguir seus luminosos passos.
O Natal de Jesus, cuja mensagem se estende radiosa por toda a sua existência, traduz júbilo e felicidade, desde o anúncio de seu nascimento feito pelos anjos, que traziam ao mundo “uma boa nova de grande alegria para todo o povo”, até suas últimas palavras de perdão na cruz, porque o perdão só pode nascer de uma alma jubilosa e nunca de um coração amargurado.
Muitas vezes o Evangelho diz que Jesus exultava em espírito e agradecia a Deus pelas revelações que o Pai lhe permitia transmitir aos pequeninos. Outras vezes, Ele exortava o povo a se alegrar e erguer as suas cabeças, porque a redenção de cada um estava próxima. Segundo Jesus, o homem que descobre o reino dos Céus, vai e, “transbordante de alegria”, vende tudo o que tem para adquirir aquele reino. “A vossa tristeza se converterá em alegria”, disse Ele a seus seguidores presentes e futuros. “Outra vez vos verei, o vosso coração se alegrará e a vossa alegria ninguém poderá tirar. Até agora nada tendes pedido em meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa”. E no dia da ascensão, abençoou seus discípulos e exortou-os a irem por todo o mundo pregar a todas as criaturas a boa nova, a boa notícia, a notícia alvissareira da ressurreição.
Contrariando a essência pacífica e jubilosa dessa mensagem, estudos e estatísticas revelam que nessa época de festas muitas pessoas se sentem solitárias e tristes no recesso de seus lares, enquanto outras se tornam consumistas por compulsão, comprometendo seu orçamento por todo o ano seguinte. São transtornos psicológicos de comportamento e sua solução é muito simples, está no Evangelho, e só não a encontra quem não a procura. Quando o ser humano entroniza o Evangelho no coração, o solitário triste se torna solidário feliz, dando e recebendo afeto em seu relacionamento com a comunidade, e o esbanjador compulsivo se torna adquirente moderado, porque passa a entender a impermanência das coisas, convertendo-se em senhor de sua vida e não em escravo de seus credores.
É claro que, se Andersen, como profundo conhecedor da psicologia humana e de sua vocação para o trágico e o patético, tivesse encerrado seu conto com um final feliz, ele não teria feito tanto sucesso. Há em tudo isso uma certa inversão de valores, a mesma inversão que ocorre nos dias de hoje, principalmente no que tange aos valores espirituais. Para dar um exemplo simples, basta lembrar que, graças ao martelante comercialismo da mídia e à passiva indiferença dos pais, Papai Noel, na época do Natal, faz mais sucesso no coração das crianças do que o próprio Jesus, que é a estrela do dia. O certo seria que o simpático e repolhudo velhinho fosse apenas um coadjuvante da alegria geral, e não o protagonista.
Está nas mãos dos operários da Nova Era o restabelecimento desse equilíbrio no mundo e o resgate da manifestação do verdadeiro sentimento natalino nos corações humanos. Eles devem ensinar o ser humano não só a festejar, mas a vibrar de felicidade nessa época e a viver o Natal. A viver e sentir o Natal, acima de tudo, com Jesus.
Mário Frigéri é autor da Mundo Maior Editora. Contato: mariofrigeri@uol.com.br